Otimismo cede lugar à incerteza na COP27

Expectativa e apreensão são duas palavras que podem resumir com precisão os sentimentos em relação à 27ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27), que será realizada de 6 a 18 de novembro, em Sharm El-Sheikh, no Egito. O cenário representa um significativo contraste em relação à COP26, realizada há quase um ano em Glasgow, na Escócia, e celebrada pelos avanços na aprovação de regras para o funcionamento do mercado regulado de carbono, vinculado ao Acordo de Paris. 

Este ano, a COP27 ocorre em um contexto geopolítico bem diferente, influenciado pelos desafios da recuperação econômica no pós-pandemia e à guerra na Ucrânia. Crise energética e gargalos na cadeia global de suprimentos são alguns dos desdobramentos que impactam diretamente na agenda climática.  

Uma das principais ameaças é a dificuldade de países europeus em cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), em virtude de interrupções no fornecimento de gás russo ao continente, o que pode levar à revisão de metas de redução de uso de outras fontes de energia mais poluentes, notadamente óleo e carvão. 

Artigo 6 no centro das negociações 

Desde 2015, quando foi fechado o Acordo de Paris, durante a COP21, os países signatários conduzem complexas negociações para a estruturação de um mercado regulado de carbono. Trata-se de um mecanismo fundamental para o financiamento das ações necessárias de mitigação das emissões de GEE, de forma que os objetivos sejam cumpridos.  

A meta é limitar o aumento da temperatura média global a um patamar inferior a 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, com esforços para que se alcançar o limite de 1,5ºC. A edição mais recente do Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), vinculado às Nações Unidas, demonstra a dimensão desse desafio. De acordo com o trabalho, para que o planeta tenha uma chance de pelo menos 50% para estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC, as emissões globais de GEE precisam atingir seu pico no período de 2020 até 2025, e cair 43% até 2030.  

As regras para a estruturação de um mercado global regulado de créditos de carbono são abordadas no artigo 6 do Acordo de Paris. No artigo 6.2, estão propostas as diretrizes para negociação de Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos, também conhecidos como ITMOs, na sigla em inglês. É por meio da transação desses certificados que é permitida a troca de créditos entre países signatários. 

De acordo com os termos previstos no artigo, um país pode comercializar créditos resultantes de ações de mitigação de emissões em seu território. O país comprador, por sua vez, pode utilizar esses créditos para contabilização da meta de redução de emissões, formalizada no documento denominado Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC).  

Uma vez efetivada a operação, as partes envolvidas devem fazer o registro das trocas de créditos e os ajustes correspondentes em suas NDCs. O objetivo é evitar a dupla contagem, ou seja, que o crédito envolvido na negociação seja utilizado tanto no cálculo da meta do país vendedor quanto do país comprador.  

O mesmo princípio de prevenção à dupla contagem é aplicado no artigo 6.4, que estabelece as regras para o funcionamento de um mecanismo descentralizado e regulado de transação de créditos de carbono entre entidades públicas e privadas, representado por um mercado regulado de regulado de carbono.  

Avanços na COP26 e o que esperar da COP27 

Os principais avanços realizados durante a COP26 ocorreram na definição de regras básicas para o funcionamento do mercado regulado global de carbono, cujas negociações vinham sendo objeto de impasse. Uma delas foi justamente a questão da dupla contagem, que embora já estivesse prevista nas regras propostas pelo Acordo de Paris, ainda não havia sido ratificada pelos países signatários.  

Outra decisão relevante diz respeito à utilização dos créditos de carbono gerados por meio de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Kyoto, que foi o primeiro documento no âmbito das Nações Unidas a estabelecer metas de redução de emissões entre os países signatários. Durante o encontro ficou estabelecido que serão validados os créditos gerados por MDL de 2013 a 2020, sem ajustes correspondentes. 

Para a COP27, há a expectativa de haver uma definição maior em relação aos projetos que serão aceitos no âmbito do artigo 6.4, e quais serão as metodologias, o que será decisivo para a geração de oportunidades setoriais para o setor privado. Outra definição aguardada diz respeito ao risco climático, sobre o qual não houve avanços na COP26, mais especificamente sobre um apoio financeiro aos países mais afetados pelas mudanças climáticas. O tema também é motivo de preocupação para as empresas, principalmente as que atuam em segmentos mais vulneráveis.   

Mercado global de carbono e oportunidades para o Brasil 

Estudo recente realizado pela WayCarbon em parceria com a International Chamber of Commerce (ICC) revela que a continuidade dos avanços na COP27 tornará ainda mais concreta a geração de riquezas pelo mercado regulado de carbono. O objetivo do trabalho foi identificar os segmentos mais promissores nesse mercado, e as barreiras a serem superadas. Os detalhes do levantamento serão apresentados no encontro em Sharm El-Sheikh, como forma de subsídio para os debates ao longo da programação. 

A pesquisa mapeou um total de 68 iniciativas regionais, nacionais e subnacionais de precificação de carbono, implementadas ou agendadas para o mercado regulado de carbono. Ao todo, os projetos abrangem 23% das emissões globais anuais de GEE.  

No mercado voluntário, que não é submetido às regras do Acordo de Paris, as perspectivas são ainda mais promissoras, refletidas pelo aumento de 143% no volume de créditos gerados em 2021, quando comparado ao ano anterior. O crescimento mais expressivo foi observado em projetos no tema de florestas e uso do solo.  

 O estudo estima que 75% das empresas de capital aberto no mundo ainda não mensuram as suas emissões na cadeia de valor, o que demonstra um potencial expressivo de demanda por créditos no mercado voluntário. Afinal, uma boa parte das organizações ainda não fazem a mensuração completa de suas emissões. Além disso, sabem qual será a necessidade de fazer compensações em um cenário de estabelecimento de metas validadas pela ciência.  

 Nesse cenário, o Brasil desponta como um potencial protagonista, com um total de até US$ 120 bilhões em 2030, com uma participação de 12% dos créditos mundiais anuais. Os números apresentados pelo estudo evidenciam que, independentemente das resoluções nas conferências das partes do Acordo de Paris, o país tem deveres de casa pendentes.  

Um deles é a aprovação do Projeto de Lei 528, que cria um mercado regulado de carbono, cuja tramitação se arrasta no Congresso Nacional. A medida seria um importante passo para transformar as oportunidades em ganhos de fato. 

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