A nova regulação do BACEN sobre Riscos Climáticos e seus impactos sobre bancos e empresas

A incorporação de fatores ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) nas análises de investimento e no processo de tomada de decisão é uma demanda crescente dos investidores e dos órgãos reguladores do sistema financeiro, uma vez que os fatores ESG representam riscos que podem afetar o desempenho de portfólios de investimentos, o mercado de crédito e a estabilidade financeira global. 

Para abordar os riscos e as oportunidades das questões relacionadas ao clima, desde 2016 um conjunto de bancos, seguradoras, gestoras de ativos, empresas não financeiras, agências de classificação de risco, entre outras organizações, atuam na Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD – Task Force on Climate-Related Financial Disclosures), criada pelo Financial Stability Board (FSB), que são recomendações que buscam conscientizar as empresas a respeito do impacto da mudança climática sobre os negócios, facilitar a divulgação das informações e direcionar investimentos para atividades de baixa emissão de carbono.  

Estruturada em torno de quatro elementos centrais, a TCFD faz recomendações relacionadas às mudanças climáticas, incluindo aspectos da estrutura e dos processos de governança da organização sobre os riscos e oportunidades relacionados ao clima, os impactos dos riscos e oportunidades na futura posição financeira da empresa, os processos de identificação dos riscos climáticos, as métricas de avaliação utilizadas e as metas definidas para gerenciamento no curto, médio e longo prazo. 

As recomendações da TCFD são voluntárias e buscam atender às necessidades dos investidores, credores e agentes de subscrição de seguros por informações consistentes, confiáveis e comparáveis que ajudem a compreender os riscos relevantes aos quais podem estar expostos, para decidir onde melhor alocar seu capital. Entretanto, as recomendações vêm sendo amplamente adotadas nas divulgações financeiras relacionadas às mudanças climáticas, por um número crescente de empresas de diversos setores da economia, o que demonstra o crescente nível de maturidade e aceitação do mercado às propostas de divulgação recomendadas pela Força-Tarefa. 

Ao redor do mundo, observa-se uma tendência entre os órgãos reguladores por padronizar e tornar obrigatórias as divulgações financeiras relacionadas ao clima. No final de 2021, o Banco Central do Brasil publicou uma série de resoluções que trata dos riscos social, ambiental e climático e estabelece como estes devem ser considerados na estrutura de gerenciamento de riscos das instituições financeiras.  

Na esfera climática, em linha com as recomendações da TCFD, os riscos são divididos entre riscos físicos e de transição. A Resolução nº 4.943 de 15 de setembro de 2021 da CMN define os riscos físicos como aqueles relacionados a perdas ocasionadas por eventos frequentes ou extremos derivados de alterações nos padrões climáticos e os riscos de transição como aqueles relacionados a perdas ocasionadas por eventos derivados do processo de transição para uma economia de baixo carbono. 

Entre os requisitos estão a necessidade de haver uma estratégia documentada para lidar com esses riscos, bem como políticas de exposição e apetite ao risco, processos para identificação prévia dos riscos, atribuição de papéis e responsabilidades, realização de programas de testes de estresse, entre outras exigências que entrarão em vigor em 1º de julho de 2022. 

A partir de 2023, as instituições financeiras precisarão divulgar publicamente essas informações por meio do relatório GRSAC (Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas), alinhado às recomendações da TCFD. A divulgação de métricas e oportunidades, no entanto, será facultativa. 

Como essa medida afeta o mercado?

Além das instituições financeiras, empresas listadas em bolsas de valores também devem se ver obrigadas a divulgar informações relacionadas às mudanças climáticas. Em dezembro de 2021, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou uma resolução que altera a instrução vigente para registro de emissores de valores mobiliários, para incorporar questões ambientais, sociais e de governança de forma mais rigorosa no Formulário de Referência, documento que fornece as principais informações das empresas para investidores e público geral. 

O Formulário passa a questionar se os relatórios anuais, ou outros documentos que trazem como conteúdo divulgações financeiras, consideram as recomendações da TCFD ou de outra entidade reconhecida que tenha atuação em questões climáticas. Além disso, o Formulário ainda demanda a descrição e ordem de relevância dos fatores de risco climáticos com potencial de influenciar as decisões de investimento, e a descrição do papel dos órgãos de administração e conselhos na gestão de riscos e oportunidades climáticas. Caso o emissor não conte com as informações demandadas, o Formulário requere justificativas para a não divulgação. 

As novas demandas da CVM, conforme incorporadas, podem vir a preparar empresas brasileiras para bolsa de valores internacionais. Em março de 2022, a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos (U.S SEC, na sigla em inglês) lançou uma consulta pública de uma proposta para padronização das divulgações de informações relacionadas ao clima. Além do volume de emissões de escopo 1 e 2 e planos concretos para redução, a proposta também incorpora a divulgação dos riscos climáticos para os quais as empresas estão expostas seguindo recomendações para os quatro pilares da TCFD, e a forma como esses riscos afetam os resultados financeiros.  

O que muda nas estratégias dos bancos?

Para atender tais demandas de divulgação, as instituições financeiras e empresas que fazem parte do mercado de bolsa de valores precisarão incorporar o tema mudança do clima em suas políticas e práticas internas. O leque de empresas sujeitas a esse tipo de diretriz aumenta se for considerado que os bancos, por exemplo, para cumprir com as novas normativas, passarão a avaliar aquelas que fazem ou que virão a fazer parte das carteiras de clientes para inferir sobre a exposição aos diversos tipos de riscos climáticos. 

A movimentação das instituições citadas sugere uma forte tendência à utilização das recomendações da TCFD como um padrão geral para divulgações financeiras também em outros mercados, o que coloca um número ainda maior de empresas sujeitas a diretrizes para gestão climática e divulgação. Questões relacionadas ao clima deverão, cada vez mais, ser tratadas de maneira robusta, madura e transparente, e de forma integrada à governança, estratégias de gestão, estruturas de análise de resultados e planos de negócios já existentes.  

Nesse caminho, porém, as empresas enfrentarão os desafios de um ambiente ainda em estruturação. Apesar das diretrizes mencionadas, ainda se observa uma falta de padronização nas informações e nas formas de relato pedidas, o que é ocasionado por um mercado com múltiplos demandantes e pouco entendimento das necessidades dos investidores. A falta de dados, metodologias para medição de indicadores financeiros relacionados ao clima e benchmarkings ainda dificultam esse processo. 

Os bancos estão se adequando e incorporando essas mudanças não apenas considerando seu reporte, mas já enxergamos um desdobramento para suas avaliações de crédito e investimentos. Trata-se de um novo cenário e, portanto, uma nova construção, que vai exigir um amadurecimento e desenvolvimento de novas metodologias para controle e aferição, mas o caminho está dado e os fatores climático, social e ambiental serão considerados na hora de aprovar uma linha de crédito. O que motiva essa postura por parte dos bancos é o fato de que as emissões de gases de efeito estufa advindos desses financiamentos concedidos por eles são caracterizadas como emissões financiadas e, portanto, serão incorporadas ao próprio inventário de emissões de GEE do banco, mais especificamente, no cálculo das suas emissões indiretas (escopo 3, categoria 15) e consequentemente ele será corresponsável por essa emissão. Portanto, é muito natural que haja maior escrutínio sobre a composição setorial da carteira de crédito, de forma que eles se tornem mais seletivos e considerem esses aspectos nas suas análises de crédito e rating dos clientes e operações.  

É importante frisar que essas exigências se referem a um aspecto na necessária jornada da transição rumo a descarbonização da economia, ou seja, é um primeiro passo. Os seguintes, passam por criar novos instrumentos para financiar a transição, regulação e precificação do mercado de carbono, a mitigação e compensação atrelados a construção de metas de neutralidade de carbono para que se atinja o objetivo principal, que é o de limitar o aquecimento global dentro dos objetivos do acordo de Paris, rumo ao Net Zero.   

A WayCarbon tem uma equipe de especialistas que podem ajudar as empresas de todos os setores no processo de incorporação das recomendações para divulgação aderente as normas e padrões da TCFD, considerando os quatro pilares que são: Governança, Estratégia, Riscos, Métricas e metas, que tratam da gestão do risco climático e incorporá-los na gestão de riscos da empresa.  

Bruno Di Donato
Gerente de Métricas at WayCarbon | + posts
Gabriel Casaroli
Consultor de Sustentabilidade at WayCarbon | + posts
Larissa Farnetti
Analista de Sustentabilidade Pleno at WayCarbon | + posts
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  • No meu entendimento essa nova regulação redefine os conceitos de risco social e risco ambiental ao gerenciamento dos riscos tradicionais como crédito, mercado, liquidez e operacional.

    Parabéns ao autores pelo artigo, ele é objetivo e esclarecedor.

    Adolfo Aguiar.

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