O setor portuário e a descarbonização no transporte marítimo

O setor de transporte marítimo é essencial para o desenvolvimento econômico global, sendo responsável pela movimentação de 80% do volume comercializado no mundo (United Nations, 2023). No Brasil, esse número é ainda mais expressivo, o setor chega a movimentar mais de 95% das cargas exportadas e importadas pelo país.   

De fato, o Brasil possui uma vantagem modal em relação à maior parte das nações em termos de extensão de costa, o que garante o escoamento de grande parte da produção. Porém, para garantir essa vantagem competitiva é importante que o transporte marítimo incorpore a agenda climática no centro de tomadas de decisão. Nesse sentido, o setor enfrenta um duplo desafio: a necessidade de adaptação aos impactos da mudança climática e de ações de mitigação para conter o aquecimento global.  

As instalações portuárias, por estarem localizadas em zonas costeiras, estão expostas e suscetíveis aos riscos climáticos. Elas podem ser afetadas direta e indiretamente por eventos extremos, como precipitação intensa, vendavais, ressacas, aumento de temperatura do ar e do nível médio do mar, potencialmente causando impactos e perdas significativas ao setor. 

Além disso, em um contexto de estabelecimento de metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), regulamentação, demanda de clientes e pressão por parte de investidores, os negócios oceânicos exigem mais inovação tecnológica, que apoie a transição energética dentro e fora do setor. Neste artigo, vamos discutir as principais ações para a descarbonização do setor, que podem ser adotadas, especialmente pelos portos, com o objetivo de sustentar o protagonismo do transporte marítimo brasileiro.  

A descarbonização do transporte marítimo 

Em relação à sua contribuição para as emissões globais, o setor de transporte marítimo é responsável por cerca de 3% das emissões. As emissões do setor – incluindo transporte marítimo internacional, doméstico e pesca – aumentaram 9,6% entre 2012 e 2018 (IMO, 2020).  

Atualmente a principal fonte de emissão é o consumo de óleo combustível (também conhecido como bunker) e óleo diesel nas embarcações, combustíveis de origem fóssil e com um conteúdo de carbono elevado. Sem a implementação de nenhuma ação adicional, espera-se que as emissões do setor cresçam 16% até 2030 e 50% até 2050, com relação ao observado em 2018 (ICCT, 2024).  

Considerando esse cenário, a Organização Marítima Internacional, em sua Estratégia de Redução de Emissões (IMO, 2023), adotou o compromisso de redução em 70% das emissões de GEE da indústria naval até 2050, e a redução da intensidade de carbono das emissões em 40% até 2030, e em 70% até 2050, em comparação aos níveis de 2008.  

Ademais, diversas empresas e nações passaram a estabelecer metas que abrangem em seus escopos emissões relacionadas ao transporte marítimo. O exemplo mais claro desse fato é a aprovação, em 2022, da reforma do mercado de carbono Europeu, com a inclusão das emissões do transporte marítimo, de forma gradual, a partir de 2024. 

Diante deste cenário desafiador, diversas empresas vêm investindo no desenvolvimento de tecnologias alternativas, que auxiliam na descarbonização do setor. Dentre as alternativas drop-in (aquelas que podem ser utilizadas em totalidades ou em misturas com os combustíveis fósseis sem necessidade de alteração dos motores) destacam-se o HVO e biodiesel (em certas porcentagens de mistura com o diesel). Para os demais combustíveis alternativos como GNL, amônia verde, hidrogênio verde e metanol, é necessário um outro tipo de motor, que pode ou não operar em paralelo ao motor a diesel/bunker, como as recentes embarcações dual fuel (GNL – Bunker) produzidas pela Maersk.  

Além da necessidade de crescimento da maturidade tecnológica para o desenvolvimento de embarcações que operam com esses combustíveis, a disponibilidade desses insumos é uma barreira à adoção das medidas de descarbonização por parte das empresas.  

Quais investimentos são necessários para a descarbonização do transporte marítimo?

Para além das barreiras puramente tecnológicas, estimativas mostram que os investimentos anuais necessários à descarbonização das embarcações até 2050 podem variar de 8 a 18 bilhões de dólares. Já os investimentos anuais necessários ao aumento da infraestrutura de produção, distribuição e abastecimento para suprir a demanda do setor com combustíveis renováveis pode chegar a 90 bilhões de dólares (United Nations, 2023) .  

De forma a auxiliar na superação desta barreira, em 2019 bancos marítimos globais (Citi Societe Generale e DNB), junto a participantes da indústria e instituições como Global Maritime Forum, Rocky Mountain Institute e UMAS, desenvolveram os “Princípios de Poseidon”, que buscam estabelecer uma estrutura para avaliar e divulgar o alinhamento climático das carteiras de financiamento de embarcações. Atualmente 34 instituições financeiras são signatárias desta iniciativa (Poseidon Principles, 2024). 

O Setor Portuário e a transição energética

Com o aumento da pressão para que os setores de transporte marítimo e logística implementem operações de baixo carbono, os portos estão surgindo como facilitadores-chave, visto que são nós centrais para a integração setorial, pois hospedam e atendem os setores de energia, transporte marítimo, rodoviário e ferrovias, além de turismo e manufatura. Essa complexa integração, facilitada pelos portos e que operam dentro deles, tem enorme potencial de reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa, colaborar para a transição para energia limpa e acelerar a descarbonização dentro e fora do transporte marítimo. 

No que diz respeito à redução das emissões geradas pelas embarcações, os portos possuem um papel fundamental de adequação de sua estrutura para o abastecimento com combustíveis alternativos ou carregamento elétrico. Além disso, estruturar medidas que reduzam as emissões das próprias operações portuárias, como a eletrificação dos equipamentos operacionais, é fundamental para a descarbonização do setor.   

Porém, além de auxiliar na redução das emissões do transporte marítimo, os portos têm um papel fundamental na transição energética. As estruturas portuárias têm potencial de serem produtores e fornecedores de soluções de energia renovável para a economia, visto que já possuem redes elétricas robustas que conectam grandes consumidores de eletricidade. Além disso, uma vez que oferecem pontos de ancoragem ideais para a enorme capacidade planejada de energia eólica offshore, são vitais para o desenvolvimento dessa fonte. Os portos têm ainda um grande potencial para abrigar o desenvolvimento de armazenamento de eletricidade em larga escala, que será necessário para facilitar a produção e o transporte de hidrogênio verde. 

Nesse sentido, existem iniciativas que buscam promover a cadeia desse combustível, os HUBs de hidrogênio verde. Essas estruturas buscam aproveitar as áreas das instalações portuárias (muitas vezes extensas) para atrair empresas produtoras, centros de pesquisas e empresas que necessitem desse tipo de energia para suas operações.  

A produção do hidrogênio verde é facilitada pela possibilidade do fornecimento de energia elétrica através de plantas eólicas offshore e a oferta do combustível e seus derivados é direcionada para empresas instaladas no hub, para embarcações que visem utilizar combustíveis alternativos ou para exportação em corredores marítimos verdes. Exemplos brasileiros dessas estruturas podem ser encontrados no Porto de Pecém, localizado no Ceara e no Porto do Açú, localizado no Rio de Janeiro.  

Como considerações finais, é evidente que o setor é estratégico para a agenda climática, dada sua relevância em termos de emissões globais e seu posicionamento estratégico para a integração de diversos setores. Nesse sentido, a WayCarbon já apoiou agentes setoriais, como ANTAQ e Ministério dos Portos na construção de diagnósticos setoriais e avaliação de risco climático, além de empresas privadas, como portos e empresas de apoio portuário a estabelecerem suas estratégias de descarbonização e estudos de riscos climáticos e adaptação.  A mudança para uma economia de baixo carbono depende de soluções conjuntas que gerem valor compartilhado para toda a cadeia do setor. 

Referências bibliográficas

ICCT. Maritime shipping – International Council on Clean Transportation. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2024.  

IMO. FOURTH IMO GREENHOUSE GAS STUDY. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2024.  

___. 2023 IMO STRATEGY ON REDUCTION OF GHG EMISSIONS FROM SHIPS. v. 377, n. July, p. 1–18, 2023.  

POSEIDON PRINCIPLES. Signatories – Poseidon Principles for Financial Institutions. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2024.  

UNITED NATIONS. REVIEW OF MARITIME TRANSPORT 2023. [s.l: s.n.].  

 

Laise Mondo
Coordenadora de Sustentabilidade at WayCarbon | + posts
Higor Turcheto
Gerente de Mitigação at WayCarbon | + posts
Luiza Oliveira
Analista de Sustentabilidade at WayCarbon | + posts
Tâmara Brandão
Analista de Sustentabilidade at WayCarbon | + posts
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