Retrospectiva ESG: os marcos da sustentabilidade em 2020

Introdução: um ano impensado

Definitivamente, 2020 não foi para amadores. Pandemia, isolamento, desemprego, desmatamento, queimadas, racismo… não foram poucos os problemas enfrentados ao longo do ano. Ainda assim, apesar de tantos desafios – ou como resposta a muitos deles –, 2020 foi também de extrema importância para o amadurecimento da agenda de sustentabilidade nos setores público e privado.

A forma como as organizações respondem aos dilemas socioambientais é o principal indicador desse amadurecimento: diante dos inúmeros riscos gerados por um momento de exceção como a pandemia, a saúde e os empregos dos colaboradores foram resguardados ou se optou por manter tudo como antes e até pela demissão em massa?

Quanto aos desafios emergentes da crise sanitária, procurou-se apoiar governos e sociedade com soluções ou se adotou uma postura ensimesmada de apenas aguardar o pior passar?

E em relação ao aumento de queimadas e do desmatamento em importantes biomas nacionais, foram desenvolvidas práticas de combate na cadeia de fornecimento e de cobrança por medidas das autoridades responsáveis ou se escolheu uma postura negacionista quanto ao papel de todas as empresas sobre esse tema?

Entre práticas implantadas e compromissos assumidos frente a graves incidentes – como a crise sanitária e a morte de pessoas negras por policiais ou seguranças de grandes empresas –, fatos “inusitados” – como bancos protagonizando medidas de defesa da Amazônia ou fábricas de automóveis consertando respiradores – e marcas alcançadas – como doações e volumes históricos de emissões de títulos verdes –, a WayCarbon elencou, sem pretensão de esgotar o assunto, seis razões para eleger este ano como um marco importante na trajetória evolutiva das discussões de sustentabilidade.

Afinal, foi em 2020 que:

Sustentabilidade entrou de vez na agenda dos investidores e se consolidou como fator decisivo de reputação corporativa.

A carta de Larry Fink, publicada em janeiro de 2020, fez com que três letras ganhassem o mundo: ESG (Environmental, Social and Governance). Ao dizer sem meias palavras que as questões ambientais, sociais e de governança corporativa terão o mesmo peso de critérios financeiros nas análises para decisões de investimento, o CEO da BlackRock – maior gestora de ativos do mundo, com mais de US$ 7,4 trilhões sob sua administração – deixou claro que as preocupações com sustentabilidade devem promover uma revisão radical na alocação de recursos e, consequentemente, uma verdadeira revolução no mercado nos próximos anos.

Além da carta de Fink, outro fato que levou as empresas a pensar mais sobre sustentabilidade foi a pandemia do novo coronavírus: qual o papel do setor privado diante da onda de incertezas e de insegurança quanto à capacidade do poder público de preservar vidas e combater a crise gerada pela Covid-19?

Provando que não só de preocupações com retorno ao acionista vive o mercado, inúmeras companhias realizaram doações históricas, fecharam parcerias com players de outros setores e até com concorrentes diretos e vincularam seus negócios e sua reputação ao atendimento de necessidades das pessoas e do planeta.

O crescente interesse por questões ESG também foi percebido no fato de a pauta ter adquirido ainda mais importância nos conselhos de administração das companhias (o GRI lançou um guia sobre o assunto, inclusive,  para auxiliar na sua gestão) e de os principais meios de comunicação passarem a abordar o tema ao longo de todo o ano. Se antes, em geral, apenas eventos climáticos extremos ou desastres ecológicos ganhavam espaço no mainstream da mídia, hoje a maioria dos veículos de imprensa monitora em tempo real ocorrências alarmantes como as queimadas no Pantanal e na Serra do Cipó e apresenta manchetes sobre desafios socioambientais na primeira página. As discussões sobre sustentabilidade chegaram, inclusive, ao horário nobre da TV: um dos destaques de 2020 foi o lançamento do quadro Solidariedade S/A, no Jornal Nacional, com o objetivo de disseminar práticas corporativas de combate à pandemia e, na maioria das vezes, com declarações dos CEOs das empresas.

“Em 2020, ficou evidente que a estratégia de sustentabilidade é, na prática, estratégia de negócio. As empresas que se mostraram resilientes frente aos efeitos e às incertezas da pandemia foram aquelas que já tinham importantes pilares da sustentabilidade presentes de forma transversal e estratégica em suas operações e cultura. E os investidores perceberam isso, trazendo uma forte sinalização para o mercado de que não é mais possível falar de retorno e risco sem falar de ESG. Além de desempenhar práticas socioambientais, conseguir ser percebida por elas passa a ter ainda mais importância para uma empresa.”

Mônica Arabe, gerente de Estratégia ESG da WayCarbon

 

A valorização das pessoas e o respeito à diversidade adquiriram uma nova dimensão de importância diante da necessidade de preservar a saúde física e mental dos colaboradores e de combater efetivamente o racismo dentro e fora das empresas.

Não é de hoje que muitas empresas afirmam que seu “maior patrimônio são as pessoas”, mas em nenhum outro ano elas tiveram tamanha oportunidade de mostrar isso na prática.

Com a pandemia e suas incertezas, muitas empresas não tiveram alternativa e precisaram demitir, mas outras, que podiam ter escolhido reduzir o número de funcionários durante o período de paralisação, comprometeram-se com movimentos como #fiqueemcasa e #nãodemita, mantendo seus times e respondendo com agilidade ao desafio de aprender a gerenciar equipes praticamente 100% remotas.

Além do cuidado com a saúde física dos colaboradores, outra preocupação que se consolidou em 2020 foi com o bem-estar mental das pessoas. O tema já era uma tendência que vinha se fortalecendo no mercado devido ao aumento de casos de burnout, mas, em meio à pandemia, ganhou ainda mais força diante de níveis de ansiedade cada vez mais elevados. O assunto ganhou tanta força que uma companhia como a Ambev criou, em junho, sua diretoria específica de Saúde Mental.

O combate ao racismo também se consolidou como tema essencial para a agenda estratégica de todas as empresas. A repercussão gerada como protesto aos assassinatos de George Floyd, nos Estados Unidos, em maio, e de João Alberto Freitas, no estacionamento de uma loja do Carrefour, no Brasil, em novembro, deixaram claro que a sociedade, por muito tempo tolerante com casos como esses, não irá mais aceitar “pacificamente” o racismo nem qualquer forma de discriminação.

Assim, implantar políticas de diversidade, promover a inclusão de mulheres na liderança e nos conselhos de administração e assegurar um ambiente aberto à pluralidade de raças, origens, faixas etárias, orientações sexuais, entre outras formas de ser, agir e pensar, tornaram-se fatores decisivos para o desempenho e a reputação dos negócios.

“Gestão de pessoas sempre foi um desafio. Em tempos de busca por humanização dos relacionamentos profissionais, em que a proximidade e a conexão são cada vez mais essenciais para a cultura corporativa e os resultados, o distanciamento se tornou um desafio ainda maior. Na WayCarbon, a primeira ação para minimizar os efeitos do isolamento social foi intensificar as pesquisas e criar canais abertos para saber como as pessoas estavam se sentindo. A partir dos resultados, fomos buscando alternativas para que o sentimento de ‘cuidado’ e o ‘senso de pertencimento’ nunca deixassem de existir. Uma das ações de maior impacto foi a contratação da plataforma Psicologia Viva, por meio da qual passamos a oferecer dois atendimentos mensais sem custo para os colaboradores, assegurando que cada um tivesse um espaço individualizado para cuidar de si. Saber que estão sendo apoiadas fez com que as pessoas, mesmo não usufruindo da plataforma, entendessem que estávamos ali e que elas eram importantes para nós.”

Daniela Albuquerque, gerente de Gente & Gestão da WayCarbon

 

O setor financeiro assumiu, mais do que nunca, sua responsabilidade em acelerar a transição para uma economia de baixo carbono e direcionou seu poder de influência para promover a sustentabilidade, com bancos falando, pela primeira vez, tanto em Amazônia quanto em balanços trimestrais.

Em julho, os principais veículos de comunicação do país trouxeram uma manchete que tinha de relevante o que tinha de improvável: os três principais bancos privados do país se uniram para elaborar um plano de ações voltadas à preservação da Amazônia. Não bastasse o esforço de desenvolver a estratégia, os presidentes dessas instituições financeiras, juntos, apresentaram ao Governo Federal 10 medidas para o desenvolvimento sustentável da região.

A iniciativa é um sinal de amadurecimento do compromisso do setor bancário com o desenvolvimento sustentável, uma vez que as instituições financeiras têm entrada em todos os demais setores da economia e, por isso, podem tanto fomentar negócios sustentáveis como dificultar o avanço de operações baseadas em combustíveis fósseis, por exemplo, tão nocivas ao meio ambiente.

Apesar dos impactos da crise sanitária na economia, 2020 foi um ano em que o mercado de crédito de carbono se consolidou como uma oportunidade de competitividade para o país e em que houve um direcionamento significativo de investimentos para sustentabilidade, visto que as emissões de títulos sustentáveis superaram a marca de US$ 10 bilhões no Brasil.

“A lente de sustentabilidade trouxe uma maior pressão pela responsabilidade na alocação de investimentos, desde o estabelecimento de novos critérios para direcionamento de recursos a setores críticos até uma busca por integração de conhecimento e dados socioambientais que fundamentem tomadas de decisão mais sustentáveis. Também ganharam força inovações financeiras, aplicando-se indicadores de sustentabilidade a taxas de juros em empréstimos. Nosso trabalho na WayCarbon ao longo de 2020 teve foco em oportunidades advindas dos novos instrumentos financeiros e econômicos, assim como em um olhar de pesquisa e inovação em programas estruturantes de financiamento e qualificação das características de sustentabilidade apresentadas por nossos clientes em diversos projetos.”

Laura Albuquerque, gerente de Finanças Sustentáveis da WayCarbon

As mudanças climáticas lideraram o ranking de riscos globais para governos e mercados no Fórum Econômico Mundial – despertando empresas para a importância de descarbonizar suas operações – e influenciaram significativamente no resultado da eleição americana – com a vitória de Biden, venceram também o Acordo de Paris e as fontes limpas de energia.

Em janeiro, o Relatório de Riscos Globais 2020, do Fórum Econômico Mundial, que traz as preocupações de especialistas sobre os principais desafios que governos e mercados tendem a enfrentar nos próximos anos, colocou as mudanças do clima no topo da lista (na verdade, constam aspectos ambientais nas cinco primeiras posições dos riscos que podem transformar o mundo dentro de uma década: eventos climáticos extremos; falhas no combate às mudanças climáticas; perda de biodiversidade e esgotamento de recursos; desastres naturais; e desastres ambientais ​​causados pelo homem).

As mudanças do clima também tiveram papel importante nas campanhas de Joe Biden e de Donald Trump pela presidência dos Estados Unidos. Embora não tenham sido decisivas no resultado, como foi a gestão da pandemia, a postura de cada candidato em relação ao tema representou uma grande expectativa internacional.

A vitória de Biden e Kamala Harris foi também uma vitória para o Acordo de Paris. Durante sua campanha, os democratas afirmaram que, se ganhassem, reintegrariam os Estados Unidos ao compromisso global no primeiro dia de governo e anunciaram um plano de US$ 2 trilhões em investimentos em energia limpa nos setores de infraestrutura, transporte e construção, com a meta de impulsionar o país a zerar emissões na geração energética nos próximos 15 anos. Com a volta da principal economia do planeta ao Acordo, outros governos e empresas têm de redobrar sua atenção a metas e ambições de descarbonização.

A boa notícia é que isso já tem acontecido: a Microsoft, por exemplo, assumiu o compromisso de, até 2030, se tornar negativa em carbono e, até 2050, remover do ambiente o volume total de carbono já emitido pelas operações desde sua fundação, em 1975. E outras nove multinacionais já aderiram ao Transform to Net Zero, iniciativa da companhia criada por Bill Gates para promover a redução das pegadas ambientais.

“Cada vez mais cientes dos desafios das mudanças climáticas, empresas de diversos setores assumiram metas de descarbonização baseadas na ciência, com agendas carbono neutro ambiciosas e estratégicas. Esta tendência veio pra ficar: as companhias, em muitos casos, identificam ações que aumentam a sua eficiência operacional ao mesmo tempo que reduzem suas emissões de GEE.”

Bruna Dias, gerente de Mitigação na WayCarbon

Assim como grandes empresas, grandes cidades estabeleceram agendas ambiciosas de sustentabilidade e lançaram planos de mitigação e adaptação às mudanças do clima.

O ano de 2020 vai chegando ao fim com o nível dos reservatórios das principais hidrelétricas do Brasil entre os mais baixos da série histórica, sendo que uma das mais graves crises hídricas do país aconteceu há pouco tempo, em 2014. A proximidade temporal é um indicativo das alterações do clima e da necessidade de os setores público e privado se mobilizarem em torno de medidas de combate a essas mudanças.

E isso vem acontecendo no Brasil: 2020 foi marcado também pelo desenvolvimento e aprovação dos planos de ação climática de quatro grandes capitais brasileiras: Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, todas elas orientadas pelas diretrizes do C40. Essas cidades estabeleceram metas ambiciosas de se tornarem carbono neutras e resilientes aos efeitos das mudanças do clima até 2050, alinhadas ao Acordo de Paris.

“As cidades são grandes emissoras de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, já sofrem impactos físicos da mudança do clima, como inundações, ondas de calor, entre outros impactos. Neste contexto, elas têm a oportunidade de promover uma gestão urbana resiliente. Cada vez mais veremos cidades investindo nesta agenda. Só nos últimos três anos, foram mais de 10 cidades brasileiras definindo planos estratégicos.”

Melina Amoni, gerente de Risco Climático e Adaptação da WayCarbon

A ascensão das demandas por transparência de informações e acesso a dados de desempenho não financeiro se tornou uma realidade

Quando um investidor ou outro stakeholder precisa consultar diretamente uma empresa para ter acesso a determinado dado do desempenho financeiro, social ou ambiental, isso já é visto como um ponto negativo em relação à transparência das informações – ainda que ele receba o conteúdo que requisitou. E se esse dado não puder ser acessado rapidamente, a percepção das partes interessadas é ainda pior.

Para contribuir nessa frente, uma iniciativa que vem ganhando espaço na agenda corporativa é a adoção das recomendações da Força-Tarefa sobre Demonstrações Financeiras Relacionadas ao Clima (em tradução livre do inglês Task Force on Climate-related Financial Disclosures). A TCFD apresenta um conjunto de indicações para que sejam produzidas informações abrangentes e relevantes em relação às consequências da mudança do clima.

“A TCFD confere mais transparência para que múltiplos stakeholders consigam avaliar tanto as perspectivas atuais quanto futuras dos negócios e do clima, de forma integrada ao ecossistema no qual estão inseridas as empresas. Essa é, acima de tudo, uma agenda de negócios, olhando para riscos e oportunidades.”

Julio Carepa, gerente de Métricas da WayCarbon

A gestão da sustentabilidade é um processo contínuo que deve ser monitorado frequentemente, por meio de indicadores e dados organizados, precisos e acessíveis em tempo real. Se, antes, a publicação de relatórios anuais atendia às expectativas das partes interessadas, a demanda por um acompanhamento constante do desempenho socioambiental tende a se tornar cada vez maior no médio prazo. Da mesma maneira, será crescente a necessidade de avaliação de riscos climáticos e sua incorporação ao planejamento estratégico das organizações, como já se percebe especialmente em ativos de infraestrutura, setores de base renovável (altamente sensíveis a alterações no regime de precipitação e temperatura) e pelo setor financeiro na análise de crédito.

“À medida que as empresas evoluem em seus níveis de maturidade na gestão da sustentabilidade, rapidamente percebem a necessidade de processos de coleta de informações e análises mais estruturados, gerenciáveis e com visibilidade em diferentes níveis organizacionais. Aplicada a este contexto de negócio, a tecnologia tem o poder de transformar o trabalho operacional das equipes técnicas em atribuições voltadas ao desenvolvimento de projetos que trarão os resultados esperados de acordo com os objetivos estratégicos traçados pela organização. Uma gestão ESG eficiente, confiável e consistente, baseada no acompanhamento de indicadores gerenciáveis, consolidáveis e automatizados por meio de tecnologias como o Climas, software de gestão de indicadores socioambientais da WayCarbon, confere maior controle e credibilidade aos compromissos assumidos interna e externamente e contribui para acelerar a inovação e transformação de práticas de negócio de forma mais eficiente.”

Mariana Bertelli, gerente do Climas, software de gestão de Sustentabilidade, Responsabilidade Social Corporativa e Compliance da WayCarbon

Perspectivas de futuro

O ano de 2020 ficará marcado pela pandemia e, infelizmente, pelas milhões de mortes causadas pela Covid-19 – centenas de milhares delas, inclusive, no Brasil.

No entanto, mesmo em meio a um cenário tão complexo e a acontecimentos lamentáveis, também não faltaram exemplos positivos de lideranças, empresas e governos que direcionaram esforços para contribuir efetivamente com a sociedade e o planeta.

“Identificamos cinco temas fortemente emergentes para 2021, com base nas demandas que temos recebido de nossos clientes. O primeiro é a criação de projetos florestais para a geração de créditos de carbono, especialmente por empresas com propriedades situadas no bioma amazônico. O segundo é a expansão de diferentes mecanismos financeiros para estímulo a adoção de iniciativas verdes por parte das organizações. O terceiro é a adoção de metas baseadas na ciência em direção à neutralidade das emissões, o avanço nas estratégias de descarbonização e a consequente adoção da precificação de carbono para a tomada de decisão em âmbito corporativo. O quarto é a inserção de riscos climáticos – físicos e regulatórios – na matriz de risco das organizações. E o quinto, por fim, é a adoção de metodologias e tecnologias para gestão ESG, aprimorando a transparência para dentro e para fora das organizações.”

Carla Leal, diretora de Growth da WayCarbon

De uma nova visão de investimento social privado, mais focada nas necessidades das pessoas e menos na relação direta com os negócios, às parcerias intersetoriais para o enfrentamento da crise sanitária e aos compromissos publicamente assumidos com agendas de descarbonização, o que vimos neste ano projeta uma visão de futuro mais consciente e ponderada quanto ao caminho da gestão da sustentabilidade e da mudança do clima . A integração das questões ESG à estratégia dos negócios saiu da condição de expectativa para a de premissa dos próximos anos. E 2020 foi fundamental para essa consolidação.

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