O que a COP26 mudou nos mercados de créditos de carbono?

A COP26 terminou em novembro de 2021 com definições importantes para a negociação internacional de créditos de carbono. A finalização do chamado “livro de regras” do Acordo de Paris, após anos de espera, vai dar espaço ao nascimento de um novo mercado de carbono, cujas regras básicas foram definidas por decisão consensual entre mais de 190 países.

Parte do pacote de decisões tomadas na Conferência das Partes de Glasgow, o livro de regras se refere tanto a mecanismos de mercado quanto a abordagens não relacionadas a ele.

No primeiro caso, há a possibilidade de transferência de redução de emissões entre países, incentivando o setor privado a investir em soluções favoráveis ao clima. Em relação às soluções que não são de mercado, houve fortalecimento dos incentivos à cooperação entre países voltada para mitigação e adaptação.

O chamado Artigo 6 do livro de regras tem o potencial de mobilizar a mudança de capital necessária para se atingir os objetivos definidos no Acordo de Paris e seu funcionamento completo pode ser um importante aliado para que países tragam metas mais ambiciosas na COP27, a ser realizada no Egito.

O caminho até a abertura das portas para a criação de um mercado internacional de carbono foi longo, mas as decisões tomadas criam espaço para o início de uma nova era.

De Kyoto a Glasgow

Os mercados de carbono começaram a tomar forma no mundo a partir do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 na COP3, do Japão, mas que entrou em vigor somente em 2005. Países signatários se comprometeram a minimizar o impacto humano sobre a natureza, assumindo compromissos mais rígidos de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa.

Como o objetivo principal do acordo era o limite ou a redução de emissões, essa ação passa a ter um valor econômico. Por isso, o Protocolo de Kyoto é considerado o primeiro passo para os mercados de carbono, instituindo as primeiras regras para o mercado regulado, mas também permitindo o nascimento do mercado voluntário, que não conta para as metas nacionais.

A convenção adotada foi de que uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) corresponderia a um crédito de carbono, que poderia ser negociado no mercado internacional. O protocolo definiu cinco outros gases importantes (metano, óxido nitroso, hidrofluorocarbonos, perfluorocarbonos e hexafluorsulfúrico) que poderiam ser convertidos em créditos por meio do conceito de carbono equivalente.

Para facilitar o alcance de metas e incluir o setor privado no esforço de redução de emissões, o protocolo definiu três principais mecanismos de mercado:

  • Comércio de emissões
  • Implementação conjunta
  • Mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL)

O comércio de emissões nasce a partir da possibilidade de que países com um nível de emissões permitidas acima das utilizadas pudessem vender o excesso em ambientes como a European Climate Exchange.

Além disso, ficou definido que países do chamado Anexo I, composto basicamente por países desenvolvidos, poderiam atuar conjuntamente para atingir as metas de redução de emissões, com arranjos em que um país com folga para alcançar suas metas poderia ajudar aqueles com dificuldade em alcançá-las.

O mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) foi especialmente importante para o Brasil,pois permitia que países em desenvolvimento, até então sem metas de redução, desenvolvessem projetos de redução, transformados em reduções certificadas de emissões (CER). Medidas em tonelada de CO2 equivalente, as CER podiam ser negociadas com países que tivessem metas de redução definidas pelo Protocolo de Kyoto.

Começando a funcionar em 2006, projetos MDL eram restritos aos setores de energia, transporte e florestal. Mas, para qualificar para a negociação, os projetos deveriam antes ser aprovados pela entidade nacional designada (DNA) em cada país.

O Protocolo de Kyoto foi estabelecido com o prazo de duração até 2020. No entanto, diante de dificuldades políticas na aplicação de compromissos obrigatórios de redução de emissões por países mais industrializados e em transição, o acordo acabou sendo substituído cinco anos antes pelo Acordo de Paris.

Com os desafios enfrentados pelas reuniões multilaterais, diversos países passaram a estabelecer metas internas de redução de emissões, o que levou a uma mudança de abordagem na elaboração do Acordo de Paris.

Aproximadamente 200 países assinaram o acordo válido atualmente, em que cada nação anuncia sua própria contribuição nacionalmente determinada (NDC) para um objetivo comum: a manutenção do aumento de temperaturas abaixo de 2 graus Celsius, com esforços para mantê-la abaixo de 1,5 graus acima de níveis pré-industriais.

No entanto, desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015, não havia uma definição de como essas NDCs seriam alcançadas, calculadas ou reportadas, nem de como os mercados de carbono funcionariam.

Definições trazidas pela COP26

Após seis anos de espera, a COP de Glasgow trouxe finalmente um acordo sobre o Artigo 6, último item necessário para a finalização do livro de regras do Acordo de Paris. O parágrafo 4 do Artigo 6 cria regras básicas para o mercado global de créditos de carbono, atualmente chamados de A6.4ERs (do inglês, Article 6.4 emission reductions).

As nações reunidas na Escócia concordaram com regras para a implementação de três instrumentos que vão ajudar as partes a atingir suas NDCs, sendo dois voltados para a cooperação entre países, com a participação do setor privado, e um terceiro focado nas ações que não envolvem o mercado, como o trabalho conjunto para mitigação e adaptação,o desenvolvimento sustentável e a redução de pobreza.

O acordo final permite uma transição substancial de créditos pré-2020 a serem usados para as NDCs de Paris, um movimento defendido por países com grandes emissões de MDL como Brasil, Índia e China. O compromisso foi feito em troca do estabelecimento de regras rigorosas de contabilidade, linhas de base e requisitos de adicionalidade para um novo mecanismo de mercado de carbono centralizado, segundo defendia a União Europeia, conforme explicou a Associação Internacional para o Comércio de Emissões (IETA).

Ficou definido que todas as transferências internacionais de resultados de mitigação (na sigla em inglês, ITMOs) vão precisar de ajustes correspondentes no seu próprio inventário nacional a ser contabilizado para as NDCs, evitando assim a dupla contagem.

Alguns detalhes da estrutura do novo mercado incluem:

  • Etapas como validação, monitoramento e verificação continuarão presentes
  • Permanece também o critério de adicionalidade (somente atividades de redução ou remoção de CO2 que não sigam o business as usual poderão gerar créditos)
  • Governos nacionais precisam aprovar os projetos, como antes, mas agora precisarão também aprovar renovações de períodos creditícios e explicar como o projeto se relaciona com a NDC
  • Atividades de projeto serão registradas para 5 anos (e não mais 7 anos, como no MDL), podendo ser renovadas por mais 2 períodos de mesmo prazo ou serem registradas por 10 anos em período único
  • Os créditos A6.4ERs somente contarão para as NDCs se autorizados pelo governo e for feito o ajuste correspondente
  • Créditos A6.4ERs utilizados para o mercado voluntário que não forem destinados para NDCs não precisarão de ajuste correspondente

Como ficam os MDLs já existentes?

Haverá um período de transição. Projetos registrados após 2013 e créditos gerados pelo mecanismo de desenvolvimento limpo até 2020 poderão pedir a migração para os A6.4ERs até o final de 2023.

Os projetos MDL que quiserem migrar para o novo mecanismo de mercado deverão solicitar a migração ao governo nacional. No caso do Brasil, isso será feito pelo recém criado Comitê Interministerial sobre Mudança Global do Clima e Crescimento Verde (CIMV, antigo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima), publicado em outubro de 2021. O governo terá até o final de 2025 para aprovar o pedido de migração.

Projetos que ainda não tenham sido concluídos e que ainda não tenham sido registrados como MDL ainda poderão ser registrados, mas terão o mesmo prazo até o final de 2023 para migrar ao novo mecanismo.

É importante ressaltar que projetos MDL de créditos temporários, como os de plantio de florestas, não poderão ser utilizados para NDCs.

Para projetos registrados antes de 2013, não será possível acessar o novo mercado, restando como possibilidade a venda ao mercado voluntário.

O que ainda falta fazer?

Todas as regras foram definidas em Glasgow. No entanto, alguns detalhes de implementação das regras deverão ser negociados em 2022 no âmbito do Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Técnico (SBSTA) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC).

O corpo supervisor do Artigo 6.4 ainda precisará rever, atualizar, e propor novas metodologias de projetos de créditos de carbono, e as linhas de base de metodologias MDL tendem a ser revistas.

Além disso, o corpo supervisor vai analisar metodologias existentes em outros mecanismos baseados em mercado, o que pode abrir espaço para uma gama maior de possibilidades de projetos.

O comércio internacional de créditos de carbono, que já acontece em algumas partes do mundo (entre o estado americano da Califórnia, e a província canadense do Quebec, por exemplo), tende a crescer com a regulamentação da ONU. A principal pergunta que resta é como será feita a precificação do carbono a nível internacional.

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  • RICARDO PRADO SANTOS /

    Interessante o comércio de Carbono entre países, afinal o nosso planeta poderá sofrer os efeitos climáticos independente de qual país esteja emitindo mais ou menos Carbono.

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